segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Para quem não leu "Revolução e Contra-Revolução" - Parte XII

Em falta com meus leitores, volto a repassar, como venho fazendo capítulo por capítulo, o livro "Revolução e Contra-Revolução" do Dr. Plínio Corrêa de Oliveira. Neste artigo, vou transcrever o capítulo VII - o qual dividirei em duas partes - da Parte I desta grande obra, que fala da Essência da Revolução.

No artigo anterior, só para recordarmos, o autor descreveu a Marcha da Revolução. Agora ele irá analisá-la em 3 partes: A Revolução por Excelência, Revolução e Legitimidade e Os Valores Metafísicos da Revolução (esta última, publicarei em artigo separado para dar mais destaque e por ser mais longo).

Creio que não há o que comentar. Está tudo ali bem explicado. Basta uma leitura atenta para apreendê-la.



Parte I

Capítulo VII
A Essência da Revolução
(1ª  e 2ª partes)

Descrita assim rapidamente a crise do Ocidente cristão, é oportuno analisá-la.
1. A REVOLUÇÃO POR EXCELÊNCIA
Esse processo crítico de que nos vimos ocupando é, já o dissemos, uma Revolução.
A. Sentido da palavra “Revolução”
Damos a este vocábulo o sentido de um movimento que visa destruir um poder ou uma ordem legítima e pôr em seu lugar um estado de coisas (intencionalmente não queremos dizer ordem de coisas) ou um poder ilegítimo.
B. Revolução cruenta e incruenta
Nesse sentido, a rigor, uma Revolução pode ser incruenta. Esta de que nos ocupamos se desenvolveu e continua a se desenvolver por toda sorte de meios, alguns dos quais cruentos, e outros não. As duas guerras mundiais deste século, por exemplo, consideradas em suas conseqüências mais profundas, são capítulos dela, e dos mais sanguinolentos. Ao passo que a legislação cada vez mais socialista de todos ou quase todos os povos hodiernos constitui um progresso importantíssimo e incruento da Revolução.
C. A amplitude desta Revolução
A Revolução tem derrubado muitas vezes autoridades legítimas, substituindo-as por outras sem qualquer título de legitimidade. Mas haveria engano em pensar que ela consiste apenas nisto. Seu objetivo principal não é a destruição destes ou daqueles direitos de pessoas ou famílias. Mais do que isto, ela quer destruir toda uma ordem de coisas legítima, e substituí-la por uma situação ilegítima. E “ordem de coisas” ainda não diz tudo. É uma visão do universo e um modo de ser do homem, que a Revolução pretende abolir, com o intuito de substituí-los por outros radicalmente contrários.
D. A Revolução por excelência
Neste sentido se compreende que esta Revolução não é apenas uma revolução, mas é a Revolução.
E. A destruição da ordem por excelência
Com efeito, a ordem de coisas que vem sendo destruída é a Cristandade medieval. Ora, essa Cristandade não foi uma ordem qualquer, possível como seriam possíveis muitas outras ordens. Foi a realização, nas circunstâncias inerentes aos tempos e aos lugares, da única ordem verdadeira entre os homens, ou seja, a civilização cristã.
Na Encíclica Immortale Dei, Leão XIII descreveu nestes termos a Cristandade medieval: “Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos Príncipes e à proteção legítima dos Magistrados. Então o Sacerdócio e o Império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda a expectativa, cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer[1]” .
[1] Encíclica “Immortale Dei”, de 1º-XI-1885, Bonne Presse, Paris, vol. II, p. 39.

Assim, o que tem sido destruído, do século XV para cá, aquilo cuja destruição já está quase inteiramente consumada em nossos dias, é a disposição dos homens e das coisas segundo a doutrina da Igreja, Mestra da Revelação e da Lei Natural. Esta disposição é a ordem por excelência. O que se quer implantar é, per diametrum, o contrário disto. Portanto, a Revolução por excelência.
Sem dúvida, a presente Revolução teve precursores, e também prefiguras. Ario, Maomé, foram prefiguras de Lutero, por exemplo. Houve também utopistas em diferentes épocas, que conceberam, em sonhos, dias muito parecidos com os da Revolução. Houve por fim, em diversas ocasiões, povos ou grupos humanos que tentaram realizar um estado de coisas análogo às quimeras da Revolução.
Mas todos estes sonhos, todas essas prefiguras pouco ou nada são em confronto da Revolução em cujo processo vivemos. Esta, por seu radicalismo, por sua universalidade, por sua pujança, foi tão fundo e está chegando tão longe, que constitui algo de ímpar na História, e faz perguntar a muitos espíritos ponderados se realmente não chegamos aos tempos do Anticristo. De fato, parece que não estamos distantes, a julgar pelas palavras do Santo Padre João XXIII, gloriosamente reinante: “Nós vos dizemos, ademais, que, nesta hora terrível em que o espírito do mal busca todos os meios para destruir o Reino de Deus, devemos pôr em ação todas as energias para defendê-lo, se quereis evitar para vossa cidade ruínas imensamente maiores do que as acumuladas pelo terremoto de cinqüenta anos atrás. Quanto mais difícil seria então o reerguimento das almas, uma vez que tivessem sido separadas da Igreja ou submetidas como escravas às falsas ideologias do nosso tempo!”[2].
[2] Radiomensagem de 28-XII-1958, à População de Messina, no 50º aniversário do terremoto que destruiu essa cidade - in “L Osservatore Romano”, edição hebdomadária em língua francesa, de 23-I-1959.

2. REVOLUÇÃO E LEGITIMIDADE
A. A legitimidade por excelência
Em geral, a noção de legitimidade tem sido focalizada apenas com relação a dinastias e governos. Atendidos os ensinamentos de Leão XIII na Encíclica Au Milieu des Solicitudes, de 16 de fevereiro de 1892[3] , não  se pode entretanto fazer tábua rasa da questão da legitimidade dinástica ou governamental, pois é questão moral gravíssima que as consciências retas devem considerar com toda a atenção.
[3] Bonne Presse, Paris, vol. III, pp. 112 a 122.
Porém não é só a este gênero de problemas que se aplica o conceito de legitimidade.
Há uma legitimidade mais alta, aquela que é a característica de toda ordem de coisas em que se torne efetiva a Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo, modelo e fonte da legitimidade de todas as realezas e poderes terrenos. Lutar pela autoridade legítima é um dever, e até um dever grave. Mas é preciso ver na legitimidade dos detentores da autoridade não só um bem excelente em si, mas um meio para atingir bem ainda muito maior, ou seja, a legitimidade de toda a ordem social, de todas as instituições e ambientes humanos, o que se dá com a disposição de todas as coisas segundo a doutrina da Igreja.
B. Cultura e civilização católica
O ideal da Contra-Revolução é, pois, restaurar e promover a cultura e a civilização católica. Essa temática não estaria suficientemente enunciada, se não contivesse uma definição do que entendemos por “cultura católica” e “civilização católica”. Sabemos que os termos “civilização” e “cultura” são usados em muitos sentidos diversos. Bem se vê que não pretendemos aqui tomar posição em uma questão de terminologia. E que nos limitamos a usar esses vocábulos como rótulos de precisão relativa para mencionar certas realidade, mais preocupados em dar verdadeira idéia dessas realidades, do que em discutir sobre os termos.
Uma alma em estado de graça está na posse, em grau maior ou menor, de todas as virtudes. Iluminada pela Fé, dispõe dos elementos para formar a única visão verdadeira do universo.
O elemento fundamental da cultura católica é a visão do universo elaborada segundo a doutrina da Igreja. Essa cultura compreende não só a instrução, isto é, a posse dos dados informativos necessários para uma tal elaboração, mas uma análise e uma coordenação desses dados conforme a doutrina católica. Ela não se cinge ao campo teológico, ou filosófico, ou científico, mas abrange todo o saber humano, reflete-se na arte e implica na afirmação de valores que impregnam todos os aspectos da existência.
Civilização católica é a estruturação de todas as relações humanas, de todas as instituições humanas, e do próprio Estado, segundo a doutrina da Igreja.
C. Caráter sacral da civilização católica
Está implícito que uma tal ordem de coisas é fundamentalmente sacral, e que ela importa no reconhecimento de todos os poderes da Santa Igreja, e particularmente do Sumo Pontífice: poder direito sobre as coisas espirituais, poder indireto sobre as coisas temporais, enquanto dizem respeito à salvação das almas.
Realmente, o fim da sociedade e do Estado é a vida virtuosa em comum. Ora, as virtudes que o homem é chamado a praticar são as virtudes cristãs, e destas a primeira é o amor a Deus. A sociedade e o Estado têm, pois, um fim sacral[4].
[4] Cfr. Santo Tomás, De Regimine Principum, I, 14 e 15.
Por certo é à Igreja que pertencem os meios próprios para promover a salvação das almas. Mas a sociedade e o Estado têm meios instrumentais para o mesmo fim, isto é, meios que, movidos por um agente mais alto, produzem efeito superior a si mesmos.
D. Cultura e civilização por excelência
De todos estes dados é fácil inferir que a cultura e a civilização católica são a cultura por excelência e a civilização por excelência. É preciso acrescentar que não podem existir senão em povos católicos. Realmente, se bem que o homem possa conhecer os princípios da Lei Natural por sua própria razão, não pode um povo, sem o Magistério da Igreja, manter-se duravelmente no conhecimento de todos eles[5] . E, por este motivo, um povo que não professe a verdadeira Religião não pode duravelmente praticar todos os Mandamentos[6]. Nestas condições, e como sem o conhecimento e a observância da Lei de Deus não pode haver ordem cristã, a civilização e a cultura por excelência só são possíveis no grêmio da Santa Igreja. Com efeito, de acordo com o que disse São Pio X, a civilização “é tanto mais verdadeira, mais durável, mais fecunda em frutos preciosos, quanto mais puramente cristã; tanto mais  decadente, para grande desgraça da sociedade, quanto mais se subtrai à idéia cristã. Por isto, pela força intrínseca das coisas, a Igreja torna-se também de fato a guardiã e protetora da civilização cristã”[7] .
[5] Cfr. Concílio Vaticano I, sess. III, cap. 2 - D. 1786
[6] Cfr. Concílio de Trento, sess. VI, cap. 2 - D. 812.
[7] Encíclica Il Fermo Proposito, de 11-VI-1905 – Bonne Presse, Paris, vol. II, p. 92.

E. A ilegitimidade por excelência
Se nisto consistem a ordem e a legitimidade, facilmente se vê no que consiste a Revolução. Pois é o contrário dessa ordem. É a desordem e a ilegitimidade por excelência.

Em breve, a 3ª parte deste capítulo. Até lá!

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Para quem não leu "Revolução e Contra-Revolução" - Parte XI

Continuando com a leitura do Capítulo VI, Parte I de "Revolução e Contra-Revolução, darei seguimento à segunda parte deste capítulo, no qual Dr. Plínio desfaz algumas objeções, de forma bastante elucidativa.

Volto a lembrar o leitor que não se esqueça de ler o artigo de Anatoli Oliynik "Gramsci e a Comunização do Brasil", como uma forma de ilustrar o exposto. E, desta vez, para servir de parâmetro sobre os tipos de revolucionários aqui descritos, peço que leiam também o artigo do Prof. Marlon Adami  "Desconstruindo Marx", onde ele faz um relato isento de quem foi este ideólogo revolucionário, aparentemente tão distinto de Antonio Gramsci.

Boa leitura! Mas leiam atentamente!




Parte I

Capítulo VI
A Marcha da Revolução
(2ª parte)

5. DESFAZENDO OBJEÇÕES

Vistas estas noções, apresenta-se a ocasião para desfazer algumas objeções que, antes disto, não poderiam ser adequadamente analisadas.

A. Revolucionários de pequena velocidade e “semicontra-revolucionários

O que distingue o revolucionário que seguiu o ritmo da marcha rápida, de quem se vai paulatinamente tornando tal segundo o ritmo da marcha lenta, está em que, quando o processo revolucionário teve início no primeiro, encontrou resistências nulas, ou quase nulas. A virtude e a verdade viviam nessa alma de uma vida de superfície. Eram como madeira seca, que qualquer fagulha pode incendiar. Pelo contrário, quando esse processo se opera lentamente, é porque a fagulha da Revolução encontrou, ao menos em parte, lenha verde. Em outros termos, encontrou muita verdade ou muita virtude que se mantêm infensas à ação do espírito revolucionário. Uma alma em tal situação fica bipartida, e vive de dois princípios opostos, o da Revolução e o da Ordem.
Da coexistência desses dois princípios, podem surgir situações bem diversas:
* a. O revolucionário de pequena velocidade: ele se deixa arrastar pela Revolução, à qual opõe apenas a resistência da inércia.
* b. O revolucionário de velocidade lenta, mas com “coágulos” contra-revolucionários. Também ele se deixa arrastar pela Revolução. Mas em algum ponto concreto recusa-a. Assim, por exemplo, será socialista em tudo, mas conservará o gosto das maneiras aristocráticas. Conforme o caso, ele chegará até mesmo a atacar a vulgaridade socialista. Trata-se de uma resistência, sem dúvida. Mas resistência em ponto de pormenor, que não remonta aos princípios, toda feita de hábitos e impressões. Resistência por isto mesmo sem maior alcance, que morrerá com o indivíduo, e que, se se der num grupo social, cedo ou tarde, pela violência ou pela persuasão, em uma geração ou algumas, a Revolução em seu curso inexorável desmantelará.
* c. O “semicontra-revolucionário”[5]: diferencia-se do anterior apenas pelo fato de que nele o processo de “coagulação” foi mais enérgico, e remontou até a zona dos princípios básicos. De alguns princípios, já se vê, e não de todos. Nele a reação contra a Revolução é mais pertinaz, mais viva. Constitui um obstáculo que não é só de inércia. Sua conversão a uma posição inteiramente contra-revolucionária é mais fácil, pelo menos em tese. Um excesso qualquer da Revolução pode determinar nele uma transformação cabal, uma cristalização de todas as tendências boas, numa atitude de firmeza inabalável. Enquanto esta feliz transformação não se der, o “semi-contra-revolucionário” não pode ser considerado um soldado da Contra-Revolução.
[5] Cfr. Parte I, cap. IX.
É característica do conformismo do revolucionário de marcha lenta, e do “semicontra-revolucionário”, a facilidade com que ambos aceitam as conquistas da Revolução. Afirmando a tese da união da Igreja e do Estado, por exemplo, vivem displicentemente no regime da hipótese, isto é, da separação, sem tentar qualquer esforço sério para que se torne possível restaurar algum dia em condições convenientes a união.

B. Monarquias protestantes - Repúblicas católicas

Uma objeção que se poderia fazer a nossas teses consistiria em dizer que, se o movimento republicano universal é fruto do espírito protestante, não se compreende como no mundo só haja atualmente[6] um Rei católico, e tantos países protestantes se conservem monárquicos.
[6] Quando o livro foi escrito, em 1958
A explicação é simples. A Inglaterra, a Holanda e as nações nórdicas, por toda uma série de razões históricas, psicológicas, etc., são muito afins com a monarquia. Penetrando nelas, a Revolução não conseguiu evitar que o sentimento monárquico “coagulasse”. Assim, a realeza vem sobrevivendo obstinadamente nesses países, apesar de neles a Revolução ir penetrando cada vez mais a fundo em outros campos. “Sobrevivendo”..., sim, na medida em que morrer aos poucos pode ser chamado sobreviver. Pois a monarquia inglesa reduzida em larguíssima medida a um papel de aparato, e as demais realezas protestantes transformadas para quase todos os efeitos em repúblicas cujo chefe é vitalício e hereditário, vão agonizando suavemente, e, a continuarem assim as coisas, se extinguirão sem ruído.
Sem negar que outras causas contribuem para esta sobrevida, queremos, entretanto, pôr em evidência o fator - muito importante, aliás - que se situa no âmbito de nossa exposição.
Pelo contrário, nas nações latinas, o amor a uma disciplina externa e visível, a um poder público forte e prestigioso, é - por muitas razões - bem menor.
A Revolução não encontrou nelas, pois, um sentimento monárquico tão arraigado. Levou os tronos facilmente. Mas até agora não foi suficientemente forte para arrastar a Religião.

C. A austeridade protestante

Outra objeção a nosso trabalho poderia vir do fato de que certas seitas protestantes são de uma austeridade que toca as raias do exagero. Como, pois, explicar todo o protestantismo por uma explosão do desejo de gozar a vida?
Ainda aqui, a objeção não é difícil de resolver. Penetrando em certos ambientes, a Revolução encontrou muito vivaz o amor à austeridade. Assim, formou-se um “coágulo”. E, se bem que ela aí tenha conseguido em matéria de orgulho todos os triunfos, não alcançou êxitos iguais em matéria de sensualidade. Em tais ambientes, goza-se a vida por meio dos discretos deleites do orgulho, e não pelas grosseiras delícias da carne. Pode até ser que a austeridade, acalentada pelo orgulho exacerbado, tenha reagido exageradamente contra a sensualidade. Mas essa reação, por mais obstinada que seja, é estéril: cedo ou tarde, por inanição ou pela violência, será destroçada pela Revolução. Pois não é de um puritanismo hirto, frio, mumificado, que pode partir o sopro de vida que regenerará a terra.

D. A frente única da Revolução

Tais “coagulações” e cristalizações conduzem normalmente ao entrechoque das forças da Revolução. Considerando-o, dir-se-ia que as potências do mal estão divididas contra si mesmas, e que é falsa nossa concepção unitária do processo revolucionário.
Ilusão. Por um instinto profundo, que mostra que são harmônicas em seus elementos essenciais, e contraditórias apenas em seus acidentes, têm essas forças uma espantosa capacidade de se unirem contra a Igreja Católica, sempre que se encontrem em face dEla.
Estéreis nos elementos bons que lhes restem, as forças revolucionárias só são realmente eficientes para o mal. E assim, cada qual ataca de seu lado a Igreja, que fica como uma cidade sitiada por um imenso exército.
Entre essas forças da Revolução, cumpre não omitir os católicos que professam a doutrina da Igreja mas estão dominados pelo espírito revolucionário. Mil vezes mais perigosos que os inimigos declarados, combatem a Cidade Santa dentro de seus próprios muros, e bem merecem o que deles disse Pio IX: “Embora os filhos do século sejam mais hábeis que os filhos da luz, seus ardis e suas violências teriam, sem dúvida, menor êxito se um grande número, entre aqueles que se intitulam católicos, não lhes estendesse mão amiga. Sim, infelizmente, há os que parecem querer caminhar de acordo com nossos inimigos, e se esforçam por estabelecer uma aliança entre a luz e as trevas, um acordo entre a justiça e a iniqüidade por meio dessas doutrinas que se chamam católico-liberais, as quais, apoiando-se sobre os mais perniciosos princípios, adulam o poder civil quando ele invade as coisas espirituais, e impulsionam as almas ao respeito, ou ao menos à tolerâncias das leis mais iníquas. Como se absolutamente não estivesse escrito que ninguém pode servir a dois senhores. São eles muito mais perigosos certamente e mais funestos do que os inimigos declarados, não só porque lhes secundam os esforços, talvez sem o perceberem, como também porque, mantendo-se no extremo limite das opiniões condenadas, tomam uma aparência de integridade e de doutrina irrepreensível, aliciando os imprudentes amigos de conciliações e enganando as pessoas honestas, que se revoltariam contra um erro declarado. Por isso, eles dividem os espíritos, rasgam a unidade e enfraquecem as forças que seria necessário reunir contra o inimigo".[7]
[7] Carta ao Presidente e membros do Círculo Santo Ambrósio, de Milão, de 6-III-1873, apud I Papi e la Gioventù, Editrice A.V.E., Roma, 1944, p. 36.

6. OS AGENTES DA REVOLUÇÃO: A MAÇONARIA E AS DEMAIS FORÇAS SECRETAS

Uma vez que estamos estudando as forças propulsoras da Revolução, convém que digamos uma palavra sobre os agentes desta.
Não acreditamos que o mero dinamismo das paixões e dos erros dos homens possa conjugar meios tão diversos, para a consecução de um único fim, isto é, a vitória da Revolução.
Produzir um processo tão coerente, tão contínuo, como o da Revolução, através das mil vicissitudes de séculos inteiros, cheios de imprevistos de toda ordem, nos parece impossível sem a ação de gerações sucessivas de conspiradores de uma inteligência e um poder extraordinários. Pensar que sem isto a Revolução teria chegado ao estado em que se encontra, é o mesmo que admitir que centenas de letras atiradas por uma janela poderiam dispor-se espontaneamente no chão, de maneira a formar uma obra qualquer, por exemplo, a “Ode a Satã”, de Carducci.
As forças propulsoras da Revolução têm sido manipuladas até aqui por agentes sagacíssimos, que delas se têm servido como meios para realizar o processo revolucionário.
De modo geral, podem qualificar-se agentes da Revolução todas as seitas, de qualquer natureza, engendradas por ela, desde seu nascedouro até nossos dias, para a difusão do pensamento ou a articulação das tramas revolucionárias. Porém, a seita-mestra, em torno da qual todas se articulam como simples forças auxiliares - por vezes conscientemente, e outras vezes não - é a Maçonaria, segundo claramente decorre dos documentos pontifícios, e especialmente da Encíclica Humanum Genus de Leão XIII, de 20 de abril de 1884 [8].
[8] Bonne Presse, Paris, vol. I, pp. 242 a 276.
O êxito que até aqui têm alcançado esses conspiradores, e particularmente a Maçonaria, deve-se não só ao fato de possuírem incontestável capacidade de se articularem e conspirarem, mas também ao seu lúcido conhecimento do que seja a essência profunda da Revolução, e de como utilizar as leis naturais - falamos das da política, da sociologia, da psicologia, da arte, da economia, etc.- para fazer progredir a realização de seus planos.
Nesse sentido os agentes do caos e da subversão fazem como o cientista, que em vez de agir por si só, estuda e põe em ação as forças, mil vezes mais poderosas, da natureza.
É o que, além de explicar em grande parte o êxito da Revolução, constitui importante indicação para os soldados da Contra-Revolução.

No próximo artigo, será abordado capítulo que fala da Essência da Revolução. Até lá!

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Para quem não leu "Revolução e Contra-Revolução" - Parte X

Após alguns dias sem escrever no blog, volto agora com o Capítulo VI da Parte I, do livro  de autoria do Dr. Plínio Corrêa de Oliveira , "Revolução e Contra-Revolução", no qual darei continuidade ao Capítulo V do artigo anterior. 
Este capítulo, por ser mais extenso e ao mesmo tempo de importantíssima relevância - pois há que se fazer uma reflexão do que estamos vivendo em nossos dias -, será dividido em dois artigos, para que se possa dar a devida atenção.
Leiam e observem se não é exatamente assim que se dá a marcha da Revolução por todo o Ocidente e que se destaca diante dos nossos olhos, tomando como parâmetro quatro acontecimentos recentes, quais sejam: do Comunismo na Rússia à Queda do Muro de Berlin até os dias de hoje, passando os olhos pela Revolução Cubana e pelo Socialismo Bolivariano do Século XXI, só para ilustrar.



Parte I

Capítulo VI
A Marcha da Revolução
 
 
As considerações anteriores já nos forneceram  alguns dados sobre a marcha da Revolução, isto é, seu caráter processivo, as metamorfoses por que ela passa, sua irrupção no mais recôndito do homem, e sua exteriorização em atos. Como se vê, há toda uma dinâmica própria à Revolução. Disto podemos ter melhor idéia estudando ainda outros aspectos da marcha da Revolução.

1. A FORÇA PROPULSORA DA REVOLUÇÃO

A. A Revolução e as tendências desordenadas

A mais possante força propulsora da Revolução está nas tendências desordenadas.
E por isto a Revolução tem sido comparada a um tufão, a um terremoto, a um ciclone. É que as forças naturais desencadeadas são imagens materiais das paixões desenfreadas do homem.

B. Os paroxismos da Revolução estão inteiros nos germes desta

Como os cataclismos, as más paixões têm uma força imensa, mas para destruir.
Essa força já tem potencialmente, no primeiro instante de suas grandes explosões, toda a virulência que se patenteará mais tarde nos seus piores excessos. Nas primeiras negações do protestantismo, por exemplo, já estavam implícitos os anelos anarquistas do comunismo. Se, do ponto de vista da formulação explícita, Lutero não era senão Lutero, todas as tendências, todo o estado de alma, todos os imponderáveis da explosão luterana já traziam consigo, de modo autêntico e pleno, embora implícito, o espírito de Voltaire e de Robespierre, de Marx e de Lenine[1].
[1] Cfr. Leão XIII, Encíclica “Quod Apostolici Muneris”, de 28-XII-1878, Bonne Presse, Paris, vol. I, p. 28.

C. A Revolução exaspera suas próprias causas

Essas tendências desordenadas se desenvolvem como os pruridos e os vícios, isto é, à medida mesmo que se satisfazem, crescem em intensidade. As tendências produzem crises morais, doutrinas errôneas, e depois revoluções. Umas e outras, por sua vez, exacerbam as tendências. Estas últimas levam em seguida, e por um movimento análogo, a novas crises, novos erros, novas revoluções. É o que explica que nos encontremos hoje em tal paroxismo da impiedade e da imoralidade, bem como em tal abismo de desordens e discórdias.

2.  OS APARENTES INTERSTÍCIOS DA REVOLUÇÃO

Considerando a existência de períodos de uma calmaria acentuada, dir-se-ia que neles a Revolução cessou. E assim parece que o processo revolucionário é descontínuo, e portanto não é uno.
Ora, essas calmarias são meras metamorfoses da Revolução. Os períodos de tranqüilidade aparente, supostos interstícios, têm sido em geral de fermentação revolucionária surda e profunda. Haja vista o período da Restauração (1815-1830) [2].
[2] Cfr. Parte I, cap. IV.

3. A MARCHA DE REQUINTE EM REQUINTE

Pelo que vimos[3] se explica que cada etapa da Revolução, comparada com a anterior, não seja senão um requinte. O humanismo naturalista e o protestantismo se requintaram na Revolução Francesa, a qual, por sua vez, se requintou no grande processo revolucionário de bolchevização do mundo hodierno.
[3] Cfr. nº 1, C, supra.
É que as paixões desordenadas, indo num crescendo análogo ao que produz a aceleração na lei da gravidade, e alimentando-se de suas próprias obras, acarretam conseqüências que, por sua vez, se desenvolvem segundo intensidade proporcional. E, na mesma progressão, os erros geram erros, e as revoluções abrem caminho umas para as outras.

4. AS VELOCIDADES HARMÔNICAS DA REVOLUÇÃO

Esse processo revolucionário se dá em duas velocidades diversas. Uma, rápida, é destinada geralmente ao fracasso no plano imediato. A outra tem sido habitualmente coroada de êxito, e é muito mais lenta.

A. A alta velocidade

Os movimentos pré-comunistas dos anabatistas, por exemplo, tiraram imediatamente, em vários campos, todas ou quase todas as conseqüências do espírito e das tendências da Pseudo-Reforma: fracassaram.

B. A marcha morosa

Lentamente, ao longo de mais de quatro séculos, as correntes mais moderadas do protestantismo, caminhando de requinte em requinte, por etapas de dinamismo e de inércia sucessivas, vão entretanto favorecendo paulatinamente, de um ou de outro modo, a marcha do Ocidente para o mesmo ponto extremo [4].
[4] Cfr. Parte II, Cap. VIII, 2. 

C. Como se harmonizam essas velocidades

Cumpre estudar o papel de cada uma dessas velocidades na marcha da Revolução. Dir-se-ia que os movimentos mais velozes são inúteis. Porém, não é verdade. A explosão desses extremismos levanta um estandarte, cria um ponto de mira fixo que fascina pelo seu próprio radicalismo os moderados, e para o qual estes se vão lentamente encaminhando. Assim, o socialismo repudia o comunismo mas o admira em silêncio e tende para ele. Mais remotamente o mesmo se poderia dizer do comunista Babeuf e seus sequazes nos últimos lampejos da Revolução Francesa. Foram esmagados. Mas lentamente a sociedade vai seguindo o caminho para onde eles a quiseram levar. O fracasso dos extremistas é, pois, apenas aparente. Eles colaboram indireta, mas possantemente, para a Revolução, atraindo paulatinamente para a realização de seus culposos e exacerbados devaneios a multidão incontável dos “prudentes”, dos “moderados”, e dos medíocres.


No próximo artigo, publicarei a segunda parte deste capítulo, onde o autor desfaz objeções. Aguardem!

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Para quem não leu "Revolução e Contra-Revolução" - Parte IX

Veremos a seguir, no Capítulo V de "Revolução e Contra-Revolução", o estudo das três profundidades da Revolução.
Este talvez seja o um dos capítulos no qual mais se deva prestar uma especial atenção, fazendo uma analogia com a realidade em que nos encontramos e que, inadvertidamente, nos vemos tragados por ela - tal é a sutileza no 'modus operandi' da Revolução.
Creio e tenho por certo, que destas três revoluções (nas tendências, nas idéias, nos fatos) sobreveio o relativismo moral, o aniquilamento de qualquer distinção entre verdade e erro, bem e mal. E isso fez criar uma ilusão de paz entre os homens, pela interpenetração, pelo nivelamento de todas as religiões, filosofias, escolas de pensamento e de cultura. Tudo equivalendo a tudo, ou seja, tudo é nada! Caos implantado nas raízes mais profundas do pensamento humano, a causar uma desordem completa no existir do homem.




Parte I

Capítulo V
As Três Profundidades da Revolução: Nas tendências, nas idéias, nos fatos
 
 
1. A REVOLUÇÃO NAS TENDÊNCIAS
Como vimos, essa Revolução é um processo feito de etapas, e tem sua origem última em determinadas tendências desordenadas que lhe servem de alma e de força propulsora mais íntima . Assim, podemos também distinguir na Revolução três profundidades, que cronologicamente até certo ponto se interpenetram. A primeira, isto é, a mais profunda, consiste em uma crise nas tendências. Essas tendências desordenadas, que por sua própria natureza lutam por realizar-se, já não se conformando com toda uma ordem de coisas que lhes é contrária, começam por modificar as mentalidades, os modos de ser, as expressões artísticas e os costumes, sem desde logo tocar de modo direto - habitualmente, pelo menos - nas idéias.
2. A REVOLUÇÃO NAS IDÉIAS
Dessas camadas profundas, a crise passa para o terreno ideológico. Com efeito - como Paul Bourget pôs em evidência em sua célebre obra Le Démon du Midi - “cumpre viver como se pensa, sob pena de, mais cedo ou mais tarde, acabar por pensar como se viveu” . Assim, inspiradas pelo desregramento das tendências profundas, doutrinas novas eclodem. Elas procuram por vezes, de início, um modus vivendi com as antigas, e se exprimem de maneira a manter com estas um simulacro de harmonia que habitualmente não tarda em se romper em luta declarada.
3. A REVOLUÇÃO NOS FATOS
Essa transformação das idéias estende-se, por sua vez, ao terreno dos fatos, onde passa a operar, por meios cruentos ou incruentos, a transformação das instituições, das leis e dos costumes, tanto na esfera religiosa quanto na sociedade temporal. É uma terceira crise, já toda ela na ordem dos fatos.
4. OBSERVAÇÕES DIVERSAS
A. As profundidades da Revolução não se identificam com etapas cronológicas
Essas profundidades são, de algum modo, escalonadas. Mas uma análise atenta evidência que as operações que a Revolução nelas realiza de tal modo se interpenetram no tempo, que essas diversas profundidades não podem ser vistas como outras tantas unidades cronológicas distintas.
B. Nitidez das três profundidades da Revolução
Essas três profundidades nem sempre se diferenciam nitidamente umas das outras. O grau de nitidez varia muito de um caso concreto a outro.
C. O processo revolucionário não é incoercível
O caminhar de um povo através dessas várias profundidades não é incoercível, de tal maneira que, dado o primeiro passo, ele chegue necessariamente até o último, e resvale para a profundidade seguinte. Pelo contrário, o livre arbítrio humano, coadjuvado pela graça, pode vencer qualquer crise, como pode deter e vencer a própria Revolução. Descrevendo esses aspectos, fazemos como um médico que descreve a evolução completa de uma doença até a morte, sem pretender com isto que a doença seja incurável.

No próximo Capítulo, será abordada a marcha deste processo revolucionário e de sua relação com as tendências desordenadas do homem. Até lá!