terça-feira, 9 de agosto de 2011

Leal e Valorosa





                          Hermann Rudolf Wendroth. Vista de Porto Alegre. Aquarela, 1852.

 Rafael Diehl

A historiografia dos primórdios do período republicano procurou construir a imagem de um Rio Grande do Sul unido pelos ideais farrapos e republicanos. Tal intento correspondia aos interesses dos positivistas de criar um passado legitimador da República ainda em processo de consolidação em finais do século XIX. 

Contudo, as coisas não são simplistas assim.

Primeiramente, o movimento farroupilha não era constituído unicamente de republicanos, mas também de alguns monarquistas, havendo setores mais conservadores e outros mais liberais. Tratava-se, portanto, de um movimento bastante heterogêneo, cujo ideal que os unia era a idéia Federalista, ou seja, o desejo de maior autonomia provincial. Naturalmente, as diversas facções tinham noções distintas do que era e de como deveria ser aplicado o dito Federalismo.[1]

Em segundo lugar, é preciso desmistificar a idéia de uma aceitação homogênea do movimento em toda a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. As cidades de Porto Alegre, Rio Grande, Pelotas e São José mantiveram-se fiéis ao Império. O movimento Farroupilha não representava os interesses, anseios e aspirações da grande parte dos habitantes de Porto Alegre.

Os farrapos tomaram Porto Alegre em 20 de setembro de 1835. Os legalistas imperiais retomaram a cidade em junho de 1836. De 30 de junho a setembro de 1836, os farrapos sitiaram novamente a cidade, mas a população ajudou as guarnições militares Porto-Alegrenses na resistência aos farroupilhas. A cidade também havia recebido reforços de soldados, armas e suprimentos. Com a derrota e prisão de Bento Gonçalves na Batalha do Fanfa em outubro, o cerco é levantado e dá-se um intervalo até maio de 1837. Durante essa trégua, os habitantes da cidade construíram trincheiras e baluartes e receberam reforços de peças de artilharia.

Entre abril de 1837 e fevereiro de 1838, a capital rio-grandense sofreu um novo cerco, mais agressivo haja vista o grande número de tropas e a artilharia de campanha trazida pelos farrapos. A cidade resistiu até fevereiro de 1838, quando os farrapos se retiraram para evitarem serem flanqueados pelas manobras de outros contingentes das tropas legalistas.

De junho de 1838 a dezembro de 1840, a cidade foi novamente sitiada pelos farroupilhas, mas foi um cerco mais fraco, haja vista os farrapos terem se instalado em posições mais distantes da cidade. Nesse período, os farroupilhas concentravam-se no interior da Província, motivo pela qual consideravam mais estratégico que os legalistas se mantivessem mais concentrados em Porto Alegre para que não houvesse enfrentamento direto entre as tropas rebeldes e legalistas. Desta vez, o enfrentamento deu-se por iniciativa dos legalistas sediados em Porto Alegre que, esporadicamente, fizeram incursões atacando as posições farroupilhas. Este sítio encerrou-se em dezembro de 1840, quando os farrapos tiveram de deslocarem-se para combaterem tropas vindas de outras regiões do Império brasileiro.[2] Assim, em 1841, D. Pedro II outorgou à cidade de Porto Alegre o título de “Leal e Valorosa”, até hoje ostentada nas armas municipais, pela sua lealdade ao Império. 

Assim, vemos que a cidade de Porto Alegre não aderiu ao movimento farroupilha, tendo permanecido alinhada com a causa imperial, o que só iria mudar no período republicano com a propaganda ideológica e a formulação de uma historiografia positivista.[3]


Notas:

[1]Para maiores informações sobre os ideais federalistas e as idéias políticas dos farrapos, vide: FLORES, Moacyr. A Revolução Farroupilha. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004; FLORES, Moacyr. Modelo político dos Farrapos: as idéias da Revolução Farroupilha. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1996; e PADOIN, Maria Medianeira. O espaço fronteiriço platino, o Federalismo e a Revolução Farroupilha (1835-1845). Artigo digitalizado em: < www.fee.tche.br/sitefee/download/jornadas/1/s2a12.pdf >

 [2]Para maiores detalhes acerca dos cercos mantidos pelos farrapos contra Porto Alegre, vide: FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre sitiada. Artigo digitalizado em: < http://www.viapolitica.com.br/sonhos/17_porto_alegre_sitiada.php >

[3]O estudo sobre a Revolução Farroupilha nasceu em função da propaganda republicana e da fundação do Partido Republicano. Quando vitoriosa a República, o hino, a bandeira e as armas da República Rio-grandense passaram a ser oficiais. Então, o Rio Grande do Sul incorporou oficialmente o patrocínio da história da República Rio-grandense, um caso raro.
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