segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Para quem não leu "Revolução e Contra-Revolução" - Parte XII

Em falta com meus leitores, volto a repassar, como venho fazendo capítulo por capítulo, o livro "Revolução e Contra-Revolução" do Dr. Plínio Corrêa de Oliveira. Neste artigo, vou transcrever o capítulo VII - o qual dividirei em duas partes - da Parte I desta grande obra, que fala da Essência da Revolução.

No artigo anterior, só para recordarmos, o autor descreveu a Marcha da Revolução. Agora ele irá analisá-la em 3 partes: A Revolução por Excelência, Revolução e Legitimidade e Os Valores Metafísicos da Revolução (esta última, publicarei em artigo separado para dar mais destaque e por ser mais longo).

Creio que não há o que comentar. Está tudo ali bem explicado. Basta uma leitura atenta para apreendê-la.



Parte I

Capítulo VII
A Essência da Revolução
(1ª  e 2ª partes)

Descrita assim rapidamente a crise do Ocidente cristão, é oportuno analisá-la.
1. A REVOLUÇÃO POR EXCELÊNCIA
Esse processo crítico de que nos vimos ocupando é, já o dissemos, uma Revolução.
A. Sentido da palavra “Revolução”
Damos a este vocábulo o sentido de um movimento que visa destruir um poder ou uma ordem legítima e pôr em seu lugar um estado de coisas (intencionalmente não queremos dizer ordem de coisas) ou um poder ilegítimo.
B. Revolução cruenta e incruenta
Nesse sentido, a rigor, uma Revolução pode ser incruenta. Esta de que nos ocupamos se desenvolveu e continua a se desenvolver por toda sorte de meios, alguns dos quais cruentos, e outros não. As duas guerras mundiais deste século, por exemplo, consideradas em suas conseqüências mais profundas, são capítulos dela, e dos mais sanguinolentos. Ao passo que a legislação cada vez mais socialista de todos ou quase todos os povos hodiernos constitui um progresso importantíssimo e incruento da Revolução.
C. A amplitude desta Revolução
A Revolução tem derrubado muitas vezes autoridades legítimas, substituindo-as por outras sem qualquer título de legitimidade. Mas haveria engano em pensar que ela consiste apenas nisto. Seu objetivo principal não é a destruição destes ou daqueles direitos de pessoas ou famílias. Mais do que isto, ela quer destruir toda uma ordem de coisas legítima, e substituí-la por uma situação ilegítima. E “ordem de coisas” ainda não diz tudo. É uma visão do universo e um modo de ser do homem, que a Revolução pretende abolir, com o intuito de substituí-los por outros radicalmente contrários.
D. A Revolução por excelência
Neste sentido se compreende que esta Revolução não é apenas uma revolução, mas é a Revolução.
E. A destruição da ordem por excelência
Com efeito, a ordem de coisas que vem sendo destruída é a Cristandade medieval. Ora, essa Cristandade não foi uma ordem qualquer, possível como seriam possíveis muitas outras ordens. Foi a realização, nas circunstâncias inerentes aos tempos e aos lugares, da única ordem verdadeira entre os homens, ou seja, a civilização cristã.
Na Encíclica Immortale Dei, Leão XIII descreveu nestes termos a Cristandade medieval: “Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos Príncipes e à proteção legítima dos Magistrados. Então o Sacerdócio e o Império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda a expectativa, cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer[1]” .
[1] Encíclica “Immortale Dei”, de 1º-XI-1885, Bonne Presse, Paris, vol. II, p. 39.

Assim, o que tem sido destruído, do século XV para cá, aquilo cuja destruição já está quase inteiramente consumada em nossos dias, é a disposição dos homens e das coisas segundo a doutrina da Igreja, Mestra da Revelação e da Lei Natural. Esta disposição é a ordem por excelência. O que se quer implantar é, per diametrum, o contrário disto. Portanto, a Revolução por excelência.
Sem dúvida, a presente Revolução teve precursores, e também prefiguras. Ario, Maomé, foram prefiguras de Lutero, por exemplo. Houve também utopistas em diferentes épocas, que conceberam, em sonhos, dias muito parecidos com os da Revolução. Houve por fim, em diversas ocasiões, povos ou grupos humanos que tentaram realizar um estado de coisas análogo às quimeras da Revolução.
Mas todos estes sonhos, todas essas prefiguras pouco ou nada são em confronto da Revolução em cujo processo vivemos. Esta, por seu radicalismo, por sua universalidade, por sua pujança, foi tão fundo e está chegando tão longe, que constitui algo de ímpar na História, e faz perguntar a muitos espíritos ponderados se realmente não chegamos aos tempos do Anticristo. De fato, parece que não estamos distantes, a julgar pelas palavras do Santo Padre João XXIII, gloriosamente reinante: “Nós vos dizemos, ademais, que, nesta hora terrível em que o espírito do mal busca todos os meios para destruir o Reino de Deus, devemos pôr em ação todas as energias para defendê-lo, se quereis evitar para vossa cidade ruínas imensamente maiores do que as acumuladas pelo terremoto de cinqüenta anos atrás. Quanto mais difícil seria então o reerguimento das almas, uma vez que tivessem sido separadas da Igreja ou submetidas como escravas às falsas ideologias do nosso tempo!”[2].
[2] Radiomensagem de 28-XII-1958, à População de Messina, no 50º aniversário do terremoto que destruiu essa cidade - in “L Osservatore Romano”, edição hebdomadária em língua francesa, de 23-I-1959.

2. REVOLUÇÃO E LEGITIMIDADE
A. A legitimidade por excelência
Em geral, a noção de legitimidade tem sido focalizada apenas com relação a dinastias e governos. Atendidos os ensinamentos de Leão XIII na Encíclica Au Milieu des Solicitudes, de 16 de fevereiro de 1892[3] , não  se pode entretanto fazer tábua rasa da questão da legitimidade dinástica ou governamental, pois é questão moral gravíssima que as consciências retas devem considerar com toda a atenção.
[3] Bonne Presse, Paris, vol. III, pp. 112 a 122.
Porém não é só a este gênero de problemas que se aplica o conceito de legitimidade.
Há uma legitimidade mais alta, aquela que é a característica de toda ordem de coisas em que se torne efetiva a Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo, modelo e fonte da legitimidade de todas as realezas e poderes terrenos. Lutar pela autoridade legítima é um dever, e até um dever grave. Mas é preciso ver na legitimidade dos detentores da autoridade não só um bem excelente em si, mas um meio para atingir bem ainda muito maior, ou seja, a legitimidade de toda a ordem social, de todas as instituições e ambientes humanos, o que se dá com a disposição de todas as coisas segundo a doutrina da Igreja.
B. Cultura e civilização católica
O ideal da Contra-Revolução é, pois, restaurar e promover a cultura e a civilização católica. Essa temática não estaria suficientemente enunciada, se não contivesse uma definição do que entendemos por “cultura católica” e “civilização católica”. Sabemos que os termos “civilização” e “cultura” são usados em muitos sentidos diversos. Bem se vê que não pretendemos aqui tomar posição em uma questão de terminologia. E que nos limitamos a usar esses vocábulos como rótulos de precisão relativa para mencionar certas realidade, mais preocupados em dar verdadeira idéia dessas realidades, do que em discutir sobre os termos.
Uma alma em estado de graça está na posse, em grau maior ou menor, de todas as virtudes. Iluminada pela Fé, dispõe dos elementos para formar a única visão verdadeira do universo.
O elemento fundamental da cultura católica é a visão do universo elaborada segundo a doutrina da Igreja. Essa cultura compreende não só a instrução, isto é, a posse dos dados informativos necessários para uma tal elaboração, mas uma análise e uma coordenação desses dados conforme a doutrina católica. Ela não se cinge ao campo teológico, ou filosófico, ou científico, mas abrange todo o saber humano, reflete-se na arte e implica na afirmação de valores que impregnam todos os aspectos da existência.
Civilização católica é a estruturação de todas as relações humanas, de todas as instituições humanas, e do próprio Estado, segundo a doutrina da Igreja.
C. Caráter sacral da civilização católica
Está implícito que uma tal ordem de coisas é fundamentalmente sacral, e que ela importa no reconhecimento de todos os poderes da Santa Igreja, e particularmente do Sumo Pontífice: poder direito sobre as coisas espirituais, poder indireto sobre as coisas temporais, enquanto dizem respeito à salvação das almas.
Realmente, o fim da sociedade e do Estado é a vida virtuosa em comum. Ora, as virtudes que o homem é chamado a praticar são as virtudes cristãs, e destas a primeira é o amor a Deus. A sociedade e o Estado têm, pois, um fim sacral[4].
[4] Cfr. Santo Tomás, De Regimine Principum, I, 14 e 15.
Por certo é à Igreja que pertencem os meios próprios para promover a salvação das almas. Mas a sociedade e o Estado têm meios instrumentais para o mesmo fim, isto é, meios que, movidos por um agente mais alto, produzem efeito superior a si mesmos.
D. Cultura e civilização por excelência
De todos estes dados é fácil inferir que a cultura e a civilização católica são a cultura por excelência e a civilização por excelência. É preciso acrescentar que não podem existir senão em povos católicos. Realmente, se bem que o homem possa conhecer os princípios da Lei Natural por sua própria razão, não pode um povo, sem o Magistério da Igreja, manter-se duravelmente no conhecimento de todos eles[5] . E, por este motivo, um povo que não professe a verdadeira Religião não pode duravelmente praticar todos os Mandamentos[6]. Nestas condições, e como sem o conhecimento e a observância da Lei de Deus não pode haver ordem cristã, a civilização e a cultura por excelência só são possíveis no grêmio da Santa Igreja. Com efeito, de acordo com o que disse São Pio X, a civilização “é tanto mais verdadeira, mais durável, mais fecunda em frutos preciosos, quanto mais puramente cristã; tanto mais  decadente, para grande desgraça da sociedade, quanto mais se subtrai à idéia cristã. Por isto, pela força intrínseca das coisas, a Igreja torna-se também de fato a guardiã e protetora da civilização cristã”[7] .
[5] Cfr. Concílio Vaticano I, sess. III, cap. 2 - D. 1786
[6] Cfr. Concílio de Trento, sess. VI, cap. 2 - D. 812.
[7] Encíclica Il Fermo Proposito, de 11-VI-1905 – Bonne Presse, Paris, vol. II, p. 92.

E. A ilegitimidade por excelência
Se nisto consistem a ordem e a legitimidade, facilmente se vê no que consiste a Revolução. Pois é o contrário dessa ordem. É a desordem e a ilegitimidade por excelência.

Em breve, a 3ª parte deste capítulo. Até lá!

2 comentários: